12/09/2008
11/24/2008

Narciso, na mitologia grega, ao olhar-se no lago, descobriu sua beleza e ficou fascinado. Mas, se pensarmos em Sócrates, que pregava o aforismo "conhece-te a ti mesmo", inscrito no templo de Apolo em Delfos, estaria Narciso apenas tentando se conhecer? A mitologia se inspirou em Sócrates, ou foi o inverso? O espelho mostra-nos o próprio rosto, mas, os olhos nele inseridos, mostrarão nossa alma?
Caravaggio retrata Narciso fiel à mitologia, extasiado, olhando-se no lago; Dali desestrutura a figura e adiciona símbolos criando um ambiente surreal; Borges, no poema "Borges e Eu", contrapõe a figura do Borges pessoa, cidadão comum, ao Borges escritor.
Em todas as visões, o que se coloca é a relação entre aquilo que se vê e aquilo que se é. O narciso do lago se extasia com sua beleza, o narciso de Dali vê o que o seu rosto não mostra, e o narciso de Borges vê o que os outros não vêem.
O narciso de Sócrates é o caminho da sabedoria. O narciso da mitologia, atento apenas à aparência, morre. Em oposição, o de Borges tenta não se iludir, mas seu fim é ser absorvido pela própria imagem feita para os outros, pelos outros. O narciso de Dali se despedaça, se distorce, se duplica, se desfigura para se conhecer, sobram apenas ossos irreconhecíveis. Em Dali não se sabe mais o que é real e o que é sonho, o que é vida e o que é morte. Mas sobrevive a esperança na flor que, teimosa, renasce.
E eu, como sou? De onde Narciso tirou a percepção de que é belo? - ela nasceu com ele?
A foto mostra como eu era, jovem, tranqüilo, mas posso nela antever o que sou? quem é esse que povoa essa foto, qual a idade dela, ou ela não tem idade? Se fotografia é um espelho dotado de memória, que memórias ela me traz? Se eu pudesse dialogar com ela, o eu hoje e o eu ontem, o que um diria do outro? O eu ontem, ao saber o que viria a ser, continuaria a ser? O que está lá que não está mais aqui? O corpo é outro, mas há algo que seja imaterial, algo atemporal, algo imutável? Conhecer cada resposta não é possível e na verdade não importa, o que importa é questionar-se. Responder é assassinar a pergunta. Com esta se descortinam possibilidades, se abre o caminho para a transformação de si mesmo, para a libertação das amarras de ser, seja lá o que for, para estar sendo, seja lá o que for.
Talvez não exista a identidade e esta não seja mais do que memórias vistas e revistas ao passar do tempo, sempre com novas cenas que se sobrepõem às antigas, amontoando-se como camadas geológicas que se compactam, se distorcem, se misturam, produzindo ao final uma imagem de solidez que leva à ilusão de individualidade, unidade, identidade.
A matéria muda, o espírito muda, matéria e espírito, de mesmo modo que matéria e energia, são uma coisa só, apenas duas formas de ver, duas formas de se apresentar.
Olho a foto, gosto dela, é com recuperar parte de mim, um orgulho de ter sido isso. Ela reflete um rosto, sonhos, angústias, medos, desejos, expectativas, lembranças. Sempre gostei de arqueologia, é recuperar o que se dava por perdido. Ao vê-la, pode-se evocar o passado, rever os sonhos de outrora: realizar-se na vida profissional, ter uma família, viajar. Hoje eles foram realizados ou esquecidos, superados. Outros sonhos os substituem, sem sonhos não há vida. Que bom seria poder ver hoje uma foto tirada no futuro e nela ver os sonhos que virão.
O tempo é um mistério, passado, presente, futuro, muda o interior, muda o exterior, a cada instante sou outro, cada ato me transforma. Ao agir, o mais importante não é o que resulta de prático, de útil, em cada ato, o que importa é no que me transformo. Conforme o ato poderei vir a ser uma pessoa melhor, pior, mais alegre, mais triste, tudo dependerá de mim ao escolher como agir.
Numa certa medida, de uma certa forma, continuamente me olho no lago, me revolvo, me despedaço, me escondo atrás de mim mesmo. Percebo que há múltiplos eus: trabalhador; amante; amigo; poeta; um ser anônimo, até para mim mesmo. Me perco no labirinto tentando descobrir o que sou, o que penso que sou, o que penso que os outros acham que sou. Não encontro resposta, mas, ao procurar, me conheço melhor.
Enquanto meu inconsciente se alterna entre eu ovo e eu cadáver, a vida segue entre narcisos.
Valter Hernandez
11/17/2008
Despertencida
O que sobrou da manhã luminosa
inundada de azul
onde
entrevi nos verdes olhos
certa tristeza?
O dorso coberto pelo colete
escondia seus pelos
Convidado à aproximação:
Olhavas de lado e
um medo molhado regava teu sorriso
Com visão prejudicada pelos
prédios, esbarrando no céu
onde antes habitavam casas,
Esmoreci.
Ando tão esquecida
da tua boca
Que fiquei despertencida...
Minhas pálpebras olham pelas frestas
da janela à sua procura
Perdi a noção do tempo
Para mim, tudo era ontem
Daqui a pouco,
Amanhã cedo
Eloisa Zeitlin
l
11/14/2008
Dançando comigo mesmo
E o sol ergueu-se mais uma vez por entre os montes rochosos e as planícies sedimentares. Estávamos todos prontos para mais um cotidiano. Todos os castelos abrigavam todos os seres e estes guardavam seus afagos em pequenos relicários de sentimentos dispensáveis naquele, neste cotidiano. Recomeçaríamos, em toda nossa cumplicidade, a caminhada pelos campos cinzas da impassibilidade. Era necessário vestir-se. Minha armadura estava à espera, o peitoral forjado em aço protegeria-me de eventuais investidas simpáticas. O capuz serviria-me como deflector de quaisquer sentimentalidades. Lá fora, centenas e milhares de cavaleiros consentiriam num mesmo ritual, dirigiríamos-nos a um único ponto, por isso fazer-ia-se necessário manter a distância.
Pelos caminhos citadinos, que aqui se impõem sobre os destinos, a massa metálica seguiria uniforme, redimensionando milhares de milhas em poucos metros. Cada qual em sua introspecção programada, impenetrável. Os escudos pesados impugnariam os olhares, criando um breu sob a luz do sol. Vez ou outra a escuridão seria quebrada pela nudeza das crianças, pelo carisma dos idosos ou ainda pela intromissão dos desorientados. Momentos raros e passageiros, que esvairiam-se no abrir e fechar das portas, estas também metálicas. Tudo estaria no seu devido lugar impróprio, milhares de corpos unidos pela distância, milhões de pensamentos separados pela proximidade. Num baile repleto, seguiríamos dançado, cada cruzado, consigo mesmo.
Por que hoje então, haveria de ser diferente? Por que hoje pestanejo em fechar este relicário?
Porque hoje o sol ergueu-se um tanto mais demorado. Porque hoje, algo introspectivo e inexplicável fez crer que estas vestes estão muito pesadas. Hoje o espelho refletiu um outro a quem não conheço, mas ainda assim era a minha face, desnuda. Talvez fosse você. Hoje sairei em carne crua. Porque uma intuição, quase dispersa, me diz que não há metal que resista ao tato nu. Hoje estarei despido, porque o sol sucumbirá por entre os montes rochosos e as planícies sedimentares e, neste extremo momento, eu não quero estar dançando comigo mesmo.
11/12/2008
Edifício Master
Contardo Caligaris
Fonte: contardocalligaris.blogspot.com/2002/11/edifcio-master.html
11/07/2008
ALGIBEIRA
Diante da face do Senhor “
Algibeira
Esse dizer líquido
Lido no carro de vidro
Transpassou minha alma
Rodeando-me de arrepios
Calculo a temperatura do vento
Cubro os pés e a cabeça
Recito Gregório Delgado
Fico fora do mapa
Quero a face oculta
Aquela que deixei na algibeira
A oculta de mim mesma
À sombra da macieira
Agora depois da confissão
Redimida do original pecado
Fecho o livro na estante
Ponho a roupa no varal.
Dúvidas, entre eu e você
Duvido que nunca tenha tido vontade de dizer: "- Eu te amo". Duvido que tenha dito todas as vezes em que teve vontade.
Duvido que não ame.
Duvido que tenha dado ouvidos a todos os conselhos dos seus pais. Tenho certeza que se arrepende disso.
Duvido que não tenha bons amigos. Preserve-os.
Duvido que nunca quisestes ter um filho. Se já o teve, duvido que não esteja grato(a).
Duvido que nunca tenha quebrado um regra que você mesmo se impôs. Parabéns.
Duvido que não goste de sorvete. Porque eu amo.
Duvido que nunca tenha perdido a paciência. Duvido que não a tenha encontrado.
Duvido que você nunca tenha duvidado de si mesmo. Duvido que não tenha superado.
Duvido que nunca tenha ouvido alguém dizer: “duvide de tudo e de todos”. Duvido que tenha seguido este conselho estúpido.
Duvido que, ao ler este texto, você não imaginou dezenas de outras dúvidas que aqui podiam ser listadas e se perguntou se eu concordaria com elas. Tenha certeza que sim!
11/06/2008
CASA DESTELHADA
Da casa em reforma,
Eu quero contar.
Janelas e portas retiradas
Causando na paisagem de minh’ alma
Efeito desolador
Da rua, transpassei paredes nuas.
Destelhada de sentidos
Alberguei-me na farmácia
Quase necessitada!
Mas sabia, nada iria adiantar.
Não há ungüento
Para a dor de dentro
Desterrada,
Sem tijolos nem cimento
E ninguém para presenciar
Minhas lágrimas, cheias d’água.
5/11/2008
10/23/2008
Terceira Aula: Será que ele me vê?
Ainda é muito difícil comentar, criticar... A parte de mim que é delírio e vertigem começa a se insinuar querendo virar loucura...
Gabriela
10/09/2008
Segunda Aula: Narciso
Diálogo de eus
Narciso é aquele rapazinho que se olhou no lago e desfaleceu de tanta vaidade!
Hum....é! Olhou sua imagem no lago, se apaixonou e caiu.
Não, não. Aí nasceu uma flor, a flor de Narciso....é isso mesmo!
Não foi isso que eu ouvi: dizem que ele se matou por desgosto, quando não pôde ter o amor da imagem que via no lago....
Nada, Narciso é aquela figura do Salvador Dali, o surrealista!
Isso mesmo...
não.....eu vou te contar!
Fragmentos de mim!
Lívia
10/06/2008
Traduzir-se
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
Ferreira Gullar
10/02/2008
Primeira Aula: Eles também nos observam...
Tinha comigo algumas folhas em branco. Metamorfose. A tradição de outras letras recebe o nosso calor e nossa crítica. O que nelas se imprimiu: fragmentos de nós à procura de novos afagos... Infinitamente.
Gabriela
História de Nós
Lívia
O outro em mim
A oficina de escrita do Projeto "Escrevivendo", na Casa das Rosas, começou no dia 2/10/2008, quinta-feira, com um encontro muito especial entre pessoas que se reúnem para fazer o exercício de pensar!
Nosso tema é bastante sugestivo: o outro em mim???
Quantos outros em mim habitam? Eu sou trezentos, sou mil, sou só, sou triste, espelho, infinito, vazio, ponte, face, porta, encontro, mistério????????? A resposta é a representação de cada um e o texto é o lugar de construí-la!
A nossa oficina é o espaço para viver o texto, para sentí-lo, para refletí-lo...soltemos as palavras no ar, na boca, na folha, no tempo...
Lívia